A Jornada do Som

Publicado originalmente na revista Estrela Rubi sob o pseudônimo Kin-Fo

Um som antigo, revisitado em um novo prisma, trás o herói em um novo formato e dá prosseguimento a jornada da humanidade através do novo Aeon.


Em janeiro ministrei uma das palestras abertas da Loja Quetzalcoatl com o tema de Cakras. Esse artigo será bem interessante para aqueles que estiveram presentes, porém para não deixar os demais leitores “na mão” farei um pequeno resumo do material apresentado:


Cakras são centros energéticos que encontramos dispostos sobre nossa coluna vertebral. O estudo desses centros é originário da civilização hindu, embora no decorrer dos séculos outros grupos e povos tenham prosseguido seus estudos nessa mesma direção, alguns de maneira consonante, outros paralela.


Dentro da literatura hindu existem diversas referências e correntes a respeito dos Cakras. Certos princípios variam exatamente de acordo com a linhagem escolhida para o estudo. Nem mesmo o número total de Cakras é comum à literatura, embora exista uma certa homogênea a respeito do número de Cakras principais serem 6, com um sétimo a desbotar no topo da caixa craniana como a união dos demais.


Tradicionalmente os Cakras são representados como lótus, com um número de pétalas variável. Cada Cakra possui um mantra semente em seu centro, e outros mantras menores em suas pétalas. O somatório de todos os mantras de todos os Cakras corresponde ao número de letras do alfabeto sânscrito – antigo idioma comum da Índia, e língua sacra na ritualística religiosa.


Isso significa que todos os mantras presentes no corpo humano, se encontram presentes no alfabeto sânscrito ou que o alfabeto sânscrito é na verdade constituído de mantras. Uma história bem antiga diz que milhares de anos atrás, sábios passaram suas vidas a meditar nas montanhas do Himalaia, se pondo a escutar a seus corpos. A partir dos sons que eles ouviram em si, eles conceberam o idioma sânscrito. Dessa forma, cada letra desse idioma estaria diretamente relacionada, em níveis vibratórios, com uma determinada parcela do corpo humano.


De todas as letras do sânscrito, uma é especial, pois é a raiz de todas as demais que se trata da letra ! Essa letra costuma ser chamada no ocidente de OM. O  é o bija, a semente de todas as letras do sânscrito e consequentemente de todos os mantras. Sua pronuncia, se corretamente adaptada para o alfabeto ocidental, contempla 3 sons distintos, que correspondem ao nosso A, U e M.


O AUM representa uma jornada em três estágios. Embora a entonação varie de indivíduo para individuo, a ideia fundamental permanece. Aleister Crowley estudou as propriedades desse mantra, oferecendo um detalhado estudo, publicado no Liber ABA – Book 4. “Primeiramente, ele representa o curso completo do som(...)Simbolicamente, este anuncia o curso da natureza procedendo livre criação sem forma através da forma controlada até o silêncio da destruição. Os três sons são harmonizados em um.”


O primeiro som “A”, é feito com boca aberta em toda sua amplitude. Está diretamente relacionada com a letra Aleph e ao louco do tarot. “A” representa todo o potencial do universo, ao mesmo tempo em que representa a virgem concebida pelo espírito santo.


O segundo som “U” se faz com a boca fechando. Está relacionada com a letra Vav, que é o Hierofante do tarot. Representa o filho nascido, o deus que se fez carne, o príncipe que parte para aventura em busca de sua princesa.


O terceiro som “U” é feito com a boca fechada, quase um sussurro. Está relacionado com a letra Mem, o enforcado/pendurado do tarot. Representa o deus morto, o Cristo crucificado expresso na fórmula do INRI.


Os três sons representam as três principais etapas da vida humana, isso é: o nascimento, a vida e a morte. Esse curso também pode ser encarado como a criação, a manutenção e a destruição, o que para os antigos hindus era representado por Brahma, Vishnu e Shiva.


Durante séculos a fórmula do AUM foi utilizada por se adequar perfeitamente ao Aeon de Osíris e a fórmula do Deus Morto. O mitólogo Joseph Campell chegou a descrever o AUM, da seguinte maneira: “a sílaba simbólica AUM que é o equivalente verbal dos quatro estados de consciência e dos seus campos de experiência. A: consciência vígil; U: consciência onírica; M: sono sem sonhos. O silêncio em torno da sílaba sagrada é o Imanifesto Transcendente”.


Aqueles que estão familiarizados com cultura thelemica já se deparam com a fórmula do AUMGN. Em diversos ritos, escritos ela é utilizada. Caso você seja um dos que já tiveram a oportunidade de assistir a execução do Liber XV - a missa gnóstica na loja Quetzacoalt, com certeza deve se recordar dele no credo da EGC.


Thelema não descarta o conhecimento legado da humanidade. O Aeon de Hórus possibilita ampliar a visão do ser humano dentro do seu universo metafísico pessoal. Assim sendo o AUM ganhou novos aspectos. O “Imanifesto Transcedente” descrito por Campbell se tornava visível, palpável e compreensível.


Ao alterar a grafia de AUM, Mestre Therion buscou transcender a visão catastrófica da natureza, fadada a morte, por uma visão que explicitava a transcendência da vida além da morte. O sufixo GN trás ao mesmo tempo a ideia de conhecimento e geração. Sua inspiração é anasalada, criando uma conexão entre o mantra e a questão do prana, ao ar e a vida. Assim transformar o M em MGN é não mais enxergar a criação distinta da dissolução, mas trabalhar com criação e dissolução  como curvas que se complementam dentro do universo real.


G está relacionado com Gnosis, o conhecimento, assim como está relacionado com a letra Hebraica Gimmel, a Sacerdotisa, a grande iniciadora dos mistérios da vida. N por sua vez está relacionado com Num, a morte, a grande transformação, que está relacionada com o escorpião, a serpente (símbolo do conhecimento) e a águia (símbolo da exaltação sobre a matéria). Para saber mais sobre os aspectos da morte sob um prisma thelêmico, consulta a Estrela Rubi nº 9.


Está escrito no Livro da Lei: “Contemplai! os rituais do tempo antigo são negros. Possam os maus serem lançados fora; possam os bons serem purgados pelo profeta! Então este Conhecimento seguirá correto.” (AL II:5).


Mais do que uma simples mudança ortográfica, a reformulação do AUMGN permite purgar a fórmula do mantra e o trabalho a ser realizado com ele para o Aeon de Hórus. A jornada do Herói não acaba com a morte, ele continua e vai além seja através do som ou através das cartas do tarot. Além disso, o estudo do AUMGN é profundo, pois carrega uma bagagem de séculos de estudos. Aqueles que desejarem poderão se aprofundar no assunto consultando Magick in Theory and Practice, capítulo VII.